A pirataria que fez bem
André Piunti
O UOL Notícias pediu que os blogueiros do UOL fizessem um texto abordando um assunto importante que marcou a última década, cada um escrevendo sobre sua área de atuação.
Meu texto segue abaixo.
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A pirataria que fez bem
Há uma lista enorme e bastante divulgada de consequências negativas que a pirataria trouxe para o meio musical, sem contar o fato de que ela é crime previsto por lei.
Compositores, editoras e gravadoras foram prejudicados.
No entanto, por mais politicamente incorreto que seja dizer isso, a música sertaneja deve muito à pirataria. Talvez mais até do que se imagina.
Ainda na década de 1990, os piratas já tinham sua parcela de importância, que pôde ser comprovada no momento em que começaram a lançar discos antes mesmo das gravadoras distribuírem para as lojas.
No entanto, foi nos anos 2000 que, pelo barateamento na produção de um CD pirata, houve uma ascensão incontrolável desse mercado paralelo.
O disco mais importante para os últimos 10 anos foi “Bruno e Marrone – Acústico”, projeto que teve início em 1999.
O trabalho não foi um lance de gênio de nenhum artista ou gravadora. Após uma apresentação em uma rádio de Uberlândia, o áudio foi parar nas mãos dos piratas. Nessa apresentação, a dupla cantava diversos sucessos sertanejos.
O CD com essas músicas teve tanta repercussão que a dupla gravou um álbum no mesmo formato. Com ele, o país passou a conhecer uma das maiores promessas da música sertaneja até então.
Já havia ficado impossível competir com o poder de distribuição dos piratas, o que foi ocasionando o fechamento da imensa maioria das lojas de discos por todo o Brasil.
Apesar de bradarem contra a pirataria de discos, os sertanejos já haviam assimilado muito bem a importância dessa prática.
O principal produto vindo desse meio foi Eduardo Costa. Como todo mundo sabe, havia uma rejeição imensa com ele pelo fato de cantar parecido com o Zezé di Camargo. Tamanha era a semelhança, que seus primeiros discos, gravados em uma qualidade muito baixa, foram vendidos como “Zezé di Camargo Acústico”.
Como comentado aqui em uma matéria no começo do ano, ele era considero anti-mercado. Cantava sozinho, gritava demais, apostava em um estilo musical considerado ultrapassado e carregava essa “acusação” de simples imitador.
E sem nenhuma mídia, ele deu certo.
Lembro que quando a Universal o contratou e lançou seu primeiro DVD, era missão difícil encontrar o trabalho nos camelôs, de tanta saída que tinha. Ele não era só um cantor do povo, mas sim uma cria do povo.
Outro disco que andou sozinho pelas mãos dos piratas foi “Matogrosso e Mathias – 25 anos”, um CD acústico que trazia os grandes sucessos da dupla, que apesar de toda sua importância para a música sertaneja, já não recebia investimentos de gravadoras.
A repercussão do trabalho foi tão positiva que marcou uma das melhores épocas em relação a dinheiro para os cantores, já que o número de apresentações aumentou e a estrutura do show era pequena, pelo fato de ser acústico.
Mesmo com certo grau de crueldade, a música sertaneja, hoje, não seria o que é se não fosse a pirataria.
Até mesmo Luan Santana, hoje amparado por toda a estrutura da Som Livre, rodou o país pelas barraquinhas de CD’s, apesar de ser de uma geração que pegou uma internet já bastante desenvolvida.
Internet que, por sua vez, foi acabando com os piratas.
Mesmo com todo o mal que fez para o mercado fonográfico, a pirataria foi fundamental para o crescimento contínuo da música sertaneja. Se nos anos 1990, as duplas estouraram sob investimento das gravadoras, dez anos depois foi a vez dos piratas cuidarem delas.
É ruim, lamentável e até vergonhoso que o país tenha deixado chegar a esse ponto, mas a realidade é que a última década, para a música sertaneja, foi a década da pirataria.