Ralf: sobre SMD, pirataria e internet
André Piunti
Quando o assuntos SOPA, gravadoras e internet surgiu com força no mês passado, uma das primeiras pessoas de quem me lembrei foi o Ralf, do Chrystian e Ralf.
Dois anos atrás, fiz uma entrevista na qual ele já previa uma crise aguda dessas empresas com medidas desesperadas, ocasionada principalmente por não aceitarem mudanças na estrutura da venda de músicas no mundo, mesmo com a internet dizendo que o antigo modelo não teria vida longa.
Ralf criou, em 2005, o SMD, que resumindo em poucas palavras, é um CD comum, mas mais barato por utilizar menos material (o CD como a gente conhece gasta mais material metálico do que precisa).
Com o SMD (e o SMDV, equivalente ao DVD), ele paga impostos como qualquer outro produto, mas o baixo custo de fabricação faz com que o produto possa ser vendido, em média, a R$ 5, competindo com o camelô e se adequando a realidade do brasileiro.
Mas se parece tão bom assim, por que as gravadoras não o adotam?
Foi justamente sobre isso que conversei com Ralf dias atrás.
O seu projeto SMD e SMVD é comprovadamente mais rentável e mais eficiente no combate à pirataria. Por que as gravadoras não o adotam?
Olha, bicho… não quero parecer ingênuo, mas… sei lá. Os caras sempre se acostumaram a ter o domínio de tudo. Tudo o que é feito está na asa dos caras, e há uma dificuldade imensa em aceitar que os produtos que dão dinheiro pra eles vão ser comercializados com uma criação de alguém de fora.
Com o SMD eles ganhariam muito mais, mas como a ideia não partiu deles, parece que há uma barreira. Sempre foram acostumados a comandar tudo, ditar tudo o que seria feito. Aceitar algo de fora agora parece bem complicado.
Em 2010, quando a gente conversou sobre esse mesmo assunto, você disse que a situação das gravadoras iria piorar demais justamente por não conseguirem achar uma alternativa ao formato do CD. A venda de música digital deu um certo respiro, mas não vai salvar o mercado. O que mudou de dois anos pra cá?
Não mudou nada. Na verdade, nunca mudou nada. A internet tá deixando os caras malucos, mas eles não entenderam que ela não vai conseguir substituir algo: o produto físico. Você pode baixar quantos discos quiser, mas o CD na mão não tem como ser substituído. A música digital também só dá uma disfarçada na situação. No iTunes, são praticamente 2 reais por música. Onde tá a vantagem? Continua a mesma coisa.
As gravadoras seguem não aceitando diminuir o valor achando que o lucro vai cair, então é só uma sensação de que as coisas estão melhorando com a música digital. A realidade é que não estão. Alternativa para o CD há sim, o SMD é, mas o problema é aceitarem essa realidade.
Mas com a música no computador, o CD não vai se tornar artigo apenas para fãs?
Não. Ele se torna artigo de luxo por causa do preço, vinte, trinta reais é um absurdo. Aí o cara vai baixar na internet mesmo. Em 2005, no primeiro projeto que a gente lançou em SMD, o Chrystian & Ralf vendeu 200 mil cópias em 8 dias. Quem vende isso em um período tão curto? Conhece alguém?
Meu disco custa R$5, a pessoa compra onde quiser, paga cincão e tá com um produto de qualidade e, principalmente, com o áudio na mais alta qualidade possível. E só pra lembrar, o SMD é um negocio bom pro artista não só porque combate à pirataria, mas também porque dá lucro, é rentável.
Rentável quanto? Como se ganha dinheiro?
O SMD sai do pino por 90 centavos. Com a capinha, vai pra 1,40. Ou seja, você tem seu SMD na mão por 1,40. Depois, bicho, você faz o que quiser com ele, desde que não passe de 7 reais, esse é o combinado. Os artistas já conhecidos preferem cobrar 5, e os independentes, 7. Só que se você quiser vender por 2 reais, você vai ter lucro. Por 1,50, também vai ter. A vantagem é que ele derruba o pirata. Se o pirata for de 5 pra 3, eu também vou. Se for pra dois, eu também vou. Se baixar mais, a pirataria perde o sentido porque não vai valer a pena ficar copiando se tem um produto original praticamente do mesmo preço.
De acordo com o que vem sendo publicado na imprensa, há chances de, enfim, os impostos sobre CD’s e DVD’s serem retirados. Isso não vai aliviar um pouco o preço dos produtos?
Vai… mas vai baixar de 30 pra quanto? Pra 20? De 20 pra 15? Quem me garante que se o imposto cair, os lojistas ou as gravadoras não vão querer aumentar o lucro e deixar de repassar a isenção pro consumidor?
E outra, bicho, se os impostos caírem, o valor do meu produto cai também. Eu pago imposto, todos, como qualquer outro produto. Se tirarem os impostos, o SMD vai ficar mais barato ainda.
Com quase 7 anos já no mercado, você considera bem sucedido o negócio “SMD”?
Considero, sem dúvida. Mais de 10 mil bandas fazem o uso do SMD. Temos o Arnaldo Antunes, o Zeca Baleiro, temos artistas do Japão, da Califórnia e de vários outros cantos do mundo. O escritório fecha de 20 a 25 discos por semana.
Por que nenhum grande sertanejo adotou o produto ainda?
Tem o fato de os grandes estarem em gravadoras, né, mas a questão não é só essa. No Brasil, não se sabe trabalhar com centavos. Tem quem ache que vender por 5 é ganhar pouco demais, tem que vender com o preço lá em cima. Só que não pensam que qualquer sertanejo de nome hoje vende, facilmente, uns cinco mil SMD’s por show, é só fazer o teste. Calcula aí e vê se vale a pena. Com esse lance de distribuir CD de graça e mandar baixar na internet, esqueceram que dá pra ganhar dinheiro vendendo. Com o tempo o pessoal vai perceber.
Mas você tentou convencer algum amigo seu a mudar pro SMD?
Essa não é minha função, mas já cheguei a conversar. Posso te contar uma história sem citar nomes. Tem uma dupla muito famosa que viu meu disco, analisou e viu que a ideia era realmente boa. O cara chegou pro Chrystian e perguntou: “toda vez que eu vender um, o Ralf ganha algo”? Meu irmão respondeu que sim, afinal a patente é minha. Agora você entende a mentalidade? Tem coisa que é complicada…
Você não acredita mesmo que a internet possa acabar com o produto físico ou você está defendendo seu produto?
Olha, cara, sinceramente. Eu posso estar sendo muito ignorante, mas eu não vejo isso. Aliás, se alguém criar alguma coisa genial que faca a internet substituir o produto físico, eu vou ser o primeiro a acatar. Mas não rola. Como é que eu vou no programa de televisão lançar meu novo trabalho se não existir mais o físico? Vou dar meu site no ar? Vou me gabar que tive sei lá quantos downloads, mas vou provar como? Alguém vai controlar?
Há mudanças que não vão acontecer. O compositor, por exemplo, precisa receber. Se ele não receber mais, ele vai procurar outro rumo, e a gente então vai cantar o que? Eu entendo toda essa loucura da internet e acho completamente errado quem olha pra ela como uma adversária. Ela não é, ela vem é mostrando como as coisas precisam ser alteradas. Quem não quer entender, fica pra trás mesmo.