BASTIDORES: Entrevista com Marcelo Siqueira
André Piunti
Marcelo Machado de Siqueira, 45 anos, paulistano.
Há 30 anos no rádio, começou na extinta Rádio Cidade, em 1983, e há 10 anos é diretor artístico da Nativa FM, a maior rádio sertaneja do país. Em São Paulo, sua audiência varia entre 200 e 300 mil ouvintes por minuto. No país, são 16 afiliadas.
Em três décadas de rádio, Siqueira, formado pela FAAP em Rádio e TV, viu o sertanejo romântico surgir no país, ser barrado em São Paulo, e se tornou um dos principais articuladores e defensores da música sertaneja na maior cidade do Brasil.
Após ajudar o “universitário” a ganhar força na capital, Siqueira diz que é hora de pisar no freio: de tanto que se aceitou influências de outros ritmos, segundo ele, o sertanejo está se desvirtuando.
Tem relação transparente com boa parte dos artistas, já que, em muitos casos, é consultado durante a escolha de uma nova música de trabalho. A sinceridade, no entanto, nem sempre é compreendida. Faz parte do jogo.
Na conversa que tive com ele, discutimos música, dinheiro, e é claro, jabá.
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Há uma frase famosa antiga que diz que “o rádio faz o artista”. Ainda faz?
Eu acredito muito. Não dá pra definir uma porcentagem, mas é uma parte importante de uma combinação de coisas. Você tem que fazer um trabalho completo, se expor corretamente, ter um projeto bem amarrado pra que sua música consiga extrapolar a rádio, passar a vender CD, virar comentário na TV, na balada, na escola, nas redes sociais. O rádio não é o único responsável por um sucesso, mas tem uma parcela importante nisso.
A segmentação das rádios não atrapalhou a música brasileira como um todo? Uma rádio que toca de tudo não seria mais democrática?
Eu não acho, acho até o contrário. A segmentação dá pras pessoas a oportunidade de ouvir o que elas querem. O rádio é muito profissional, cada espaço, cada ouvinte, cada comercial é disputado palmo a palmo, e a audiência importa muito. As pesquisas que a gente realiza mostram muito pontualmente o que a pessoa quer ouvir em cada bairro, classe social, idade, sexo e etc. Então a gente entrega tudo como o ouvinte quer, tenta fazer o gosto dele da forma mais exata possível. A segmentação é bem democrática. Se a pessoa não gosta de sertanejo, ela troca de rádio e acha outra com a qual ela se identifique mais.
Você comanda uma rádio que tem de 200 a 300 mil ouvintes por minuto, naturalmente muito procurada. Qual é sua posição a respeito do jabá?
Você vai encontrar em qualquer cidade do país gente que tira benefício próprio pra tocar um produto. O jabá existe e é por causa do profissional ou da linha de frente que é colocada na rádio. Eu abomino e acho grotesco. Seja o “jabazeado” radialista ou radiodifusor. Aqui (Grupo Bandeirantes, da qual a Nativa faz parte) é tudo sério e auditado. E não deve ser diferente. Música paga é música ruim. Música que vai acabar com a rádio, e consequentemente, com o rádio. Já vi muitas rádios com potencial jogarem a toalha para a igreja ou outros grupos por não terem programação e audiência competitivas.
A música ruim e, possivelmente, o jabá, acabaram com a audiência e, consequentemente, com o faturamento. Resumindo, o jabazeiro e o jabazeado estão encurtando suas próprias vidas profissionais, matando o negócio de muitos profissionais sérios. Reduzindo o campo de trabalho e colocando em cheque um veículo tão fantástico e importante, que é o rádio.
Como é feita sua programação, então? Por que há músicas que podem tocar 2 vezes ao dia e outras 10?
Quem decide se vai tocar ou não é a rádio e não o dinheiro. Se o artista tem dinheiro e quer comprar comerciais, isso não é jabá. As promoções que frequentemente acontecem são para conquista e manutenção de audiência. Isso pode acontecer por iniciativa e investimento da própria rádio ou através da parceria com algum artista. Quando se toca 5, 10 ou 15 vezes a música, ela tem que ser muito adequada à rádio. Ela vai trazer audiência. O volume da exposição está diretamente ligado à preferência pela mesma e à rotatividade do público. O dinheiro não define nada.
A relação entre rádio e artista, havendo adequação para ambos, pode gerar inúmeros bons negócios: shows, revistas, jogos, brinquedos, roupas e muito mais. É óbvio que o veículo, seja ele qual for, terá interesse na grande exposição do artista.
A programação não é comercializável?
Não, ela não está à venda.
É possível fazer um trabalho de rádio sem dinheiro?
É possível, sim. Mas eu não acredito simplesmente no tocar por tocar, o caminho assim é bem mais difícil. O trabalho de mídia é importante. Se o cara ouve tua música no rádio, vê você no outdoor, no anúncio do jornal, no programa de TV, a coisa ganha outra dimensão. A mídia no geral é importante. Se a música é um produto, você tem que tratar profissionalmente. Você vai conseguir tocar sem investimento, basta sua música ser adequada. Mas você tem que bater seu bumbo, correr atrás, não adianta ficar de braços cruzados, porque sucesso é uma soma de vários fatores.
A melhor forma de se chegar em uma rádio é através dos divulgadores?
Não necessariamente. O empresário pode vir, o artista pode. Eu não te digo que ouço 100% do que me mandam porque nem tudo chega, tem coisa que cai em SPAM, que eu não vejo. Mas eu vivo música o tempo todo, no carro, em casa. Já aconteceu de eu estar ouvindo uma música na internet e ir atrás do artista pra conhecer mais. Por exemplo, Fernando e Sorocaba. Eu ouvi uma vez na internet, eles já eram um pouco conhecidos no Paraná, mas ainda não havia uma ligação boa entre os mercados.
Fui atrás pra saber quem era e descobri que tinham um empresário chamado Paulo (Pissoloto). Liguei pra ele, me apresentei e perguntei se ele não tinha interesse em conversar, que eu havia achado a dupla dele interessante e que poderia ter chance em São Paulo. Dois dias depois, estava ele e o Sorocaba na minha sala e a partir de então a dupla começou a tocar em São Paulo.
Em uma apresentação no Faustão, o Luciano, irmão do Zezé, agradeceu o fato de “Mentes tão bem” ter tido destaque na novela “Araguaia”, e consequentemente, se tornado um sucesso nacional. Alguns minutos depois, você se manifestou no Twitter um tanto incomodado, dizendo que deveriam valorizar mais o rádio. O que te incomodou?
Sabe o que incomoda? É que na nossa frente, o discurso do artista sobre o rádio é um, e eu gostaria que esse discurso respeitoso fosse propagado em todos os veículos de comunicação. Eu canso de ver artista aqui na frente dizendo “devo tudo ao rádio”, “preciso me dedicar mais ao rádio”, “preciso visitar mais as rádios”, e aí chega em outro veículo e a coisa muda totalmente. Eu tô falando desse caso específico porque essa música foi inventada dentro do rádio e o discurso lá foi diferente. Não é o Luciano, é algo geral, acontece sempre. Mas foi tudo resolvido, sem problemas.
Como você vê a música sertaneja atual?
A quantidade de coisas boas antes era maior. Por estarem misturando influências demais e pelo fato de um artista fazer um sucesso e todo mundo sair copiando, a qualidade tem ficado de lado. Essa história de mina, pira, empina, balada… as mesmas palavras distribuídas de formas diferentes, os ritmos iguais, tudo isso prejudica a música sertaneja, faz com que ela se desvirtue mais ainda e perca as referências.
Você não só não gosta das misturas como também toca muito pouco dessas canções. Elas atrapalham a programação?
O ouvinte da Nativa consome principalmente música romântica e sertaneja. Antes de todos, nós já dávamos espaço pro “universitário”, pra músicas de festa… criamos espaço na programação pras novidades. Mas tem um limite. Por mais que a gente dê espaço, não posso concordar que certas coisas que aparecem por aí sejam sertanejas, não vou ficar 24 horas vendendo algo como sertanejo sabendo que não é. Tem muita gente boa, claro, mas tem muita gente ruim se aproveitando do movimento. Tá cheio de investidor torrando dinheiro em artista ruim achando que vai dar retorno, e isso atrapalha. Eu acredito no sertanejo e sou contra quem chega pra desvirtuar. Estão desvirtuando o sertanejo. Tem quem chegue com outro estlio, coloque um instrumento pra caracterizar, ponha dois caras pra cantar pra falar que é dupla, mas que na verdade poderia ser uma banda de qualquer outra coisa, e quer falar que é sertanejo. Isso vai tornando tudo descartável. Sertanejo não é isso.
A Nativa esteve na liderança de São Paulo no ano passado e a principal concorrente era outra sertaneja, a Tupi. Hoje, a Nativa está em terceiro, atrás de duas que também tocam sertanejo, mas que são mais abrangentes, tocam outros estilos populares, a Transcontinental e a Band FM. Isso é devido a uma queda do sertanejo?
Não acho que seja não. Acredito que os outros estilos estejam crescendo, fazendo trabalho correto, ganhando espaço, mas não que o sertanejo esteja caindo. Tem o Naldo, o Belo, Thiaguinho. O funk ganhou força, o pagode tem seu espaço. Fora isso, tem o trabalho das rádios, que também está sendo bem feito.
Há artistas que funcionam como coringa, que aparecem mais na programação quando o ibope cai?
Você aprende com os anos a trabalhar com técnicas de programação. Não é bom que você fique preso nos mesmos, você tem que criar espaço pros novos. Se você fica refém de determinados artistas e seu público passa a não gostar deles, sua audiência vai pro saco de um dia pro outro. Às vezes apostar mais em medalhões é legal, mas tem de haver equilíbrio.
É correto dizer que São Paulo não estoura artista? Que os artistas já chegam consagrados?
De certa forma, não é errado não, isso acontece. A história ajuda a explicar. O sertanejo foi muito represado em São Paulo. Por mais que os medalhões tivessem base aqui, Zezé, Leonardo, Chitão, era difícil. Além deles, você via um pouco de espaço pra um Gian e Giovani aqui, um Rick e Renner ali… mas não existia rádio forte baseada nesse pessoal. Só que enquanto São Paulo não entrava na onda, a vida continuou nos outros estados, o sertanejo continuou sendo coisa de raiz, de família, passando de geração pra geração. Chegou um ponto em que o país tava contaminado, no bom sentido, e São Paulo não conseguiu mais segurar.
Qual foi sua aposta musical que mais deu certo, e a que você mais se equivocou ao analisar?
Hoje em dia, se você apostar 15 minutos antes você já sai muito na frente. Se comprar a ideia 15 minutos depois, o bonde já passou. Uma que eu apostei e foi bem foi “Ai se eu te pego”. A gente viu em Barretos, pouco depois do lançamento, que passava um carro atrás do outro tocando a música, sem parar. Uma que eu apostei contra e errei foi “Morango do Nordeste”, do Layrton dos Teclados. Achei ruim, mas deu no que deu.
Pra finalizar, a cobrança do ECAD te parece indevida? (escritório responsável por recolher o dinheiro referente aos direitos autorais)
A minha opinião particular é que deveria haver outras formas de cobrança, e que essas formas fossem mais democráticas. Hoje a coisa vem de cima pra baixo, uma imposição. Concordo que toda a exposição pública tenha que ser paga, mas eu acho que em vários momentos poderia ser usado um critério melhor. Hoje a forma de cobrança pode ser chamada até de injusta, tem momentos em que os valores não são compatíveis com a realidade do negócio. A rádio paga um fixo que é determinado por eles e reajustado após uma assembléia, e eu tenho que aceitar.
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*Fotos: 1 – Fabio Nunes. 2 – Grupo Bandeirantes/Divulgação
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A série “Bastidores” já teve outros dois entrevistados: Dudu Borges, produtor musical, e Arleyde Caldi, assessora de imprensa de Zezé di Camargo e Luciano há 21 anos. As entrevistas são publicadas no blog às segundas-feiras.
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*O sistema de comentários do blog está passando por uma mudança, então praticamente todos os posts estão sem nenhum comentário. Os comentários não foram apagados, apenas não estão visíveis durante a mudança. Logo estarão de volta.