Já tem quase uma década que ele não aparece em uma grande emissora. Não frequenta festas sertanejas, não anda na companhia de artistas, e só canta em churrascos de amigos.

Aos 70 anos, Marcelo Costa mora sozinho em uma mansão no Parque Taquaral, área nobre de Campinas. Tem dois filhos, ambos adotivos, e quatro netos. Formado em Direito e em Educação Física, cuida de seus dois cachorros, caminha no parque ao lado de sua casa, e administra o dinheiro que ganhou com quase 20 anos de televisão, a maior parte dele aplicado em imóveis.

Ficou conhecido por apresentar, de 1984 a 2000, o “Especial Sertanejo”, na Record. Na entrevista abaixo, Marcelo Costa fala de sua vida tranquila fora da mídia, da ilusão que é o meio artístico, se emociona ao lembrar de como contornou as vaias em seu primeiro dia de programa, e conta a história do dia em que Tião Carreiro, principal atração do dia, foi barrado na portaria da Record.

Marcelo Costa

Eu sou mineiro de Andradas, sou criado na moda de viola, meu pai era um grande fã e amigo dos cantores. Éramos uma família humilde, mas com condições, eu podia dedicar todo meu tempo à música, que era a minha praia. Fui pra São Paulo nos anos 1960, gravei meu primeiro disco, acabei partindo muito pra um lado de bolero, por conta da minha voz, e me apresentava nos programas de televisão da época.

Início na TV

Eu não tinha experiência como apresentador, o que eu fazia era baile de debutantes, mas era algo muito diferente da TV. A minha ida pra TV é uma história curiosa. Eu cantava no Raul Gil vestido de paletó e terno, estilo que o Manolo, que vestia vários artistas, criou pra mim, copiado dos cowboys americanos. Eu tinha presença, era grande, vozeirão, e acabei chamando atenção do Helio Ansaldo, que mandava na Record.

O “Especial Sertanejo” já existia, era apresentado pelo Zé Russo, que era um cara de rádio. Quem mandava no programa era o Zé Béttio, o cara mais poderoso que existia na música sertaneja. Só que o Zé Bettio brigou com a direção da Record, eles romperam, e o programa ficou na mão da Record, que não entendia nada de sertanejo.

Fui fazer o teste e convidei alguns artistas que eu conhecia pra se apresentar. Meu pai era amigo de toda a turma da viola, então eu consegui levar Tião Carreiro e Pardinho logo nesse dia, e foram eles que abriram a gravação.

Vaias

O teatro Brigadeiro tava lotado, mas ninguém sabia que o apresentador iria mudar. De repente, soltaram: “E para apresentar o Especial Sertanejo, Marcelo Costa”. No que eu entrei, rolou um princípio de vaia, e eu tive que parar (logo após relembrar a cena das vaias, Marcelo parou de falar por alguns segundos e enxugou os olhos). Antes de falar qualquer coisa, eu me virei pro auditório e disse: “Eu sou o Marcelo Costa, e eu fui convidado pra apresentar o ‘Especial Sertanejo’. Eu queria que a partir de hoje que vocês fossem meus padrinhos e minhas madrinhas”. Saí do palco e comecei de novo. A plateia veio junto comigo, aplaudindo, e eu já emendei: “Pra começar o Especial Sertanejo, a maior dupla do Brasil: Tião Carreiro e Pardinho”. Assim começou minha história no programa.

“Caba não, mundão”

Eu digo pra todo mundo que não é criação minha, mas ficou como sendo minha. Tem uma dupla chamada Rock e Ringo, meus amigos, que é cheia de fazer essas frases, essas brincadeiras. Peguei tudo e levei pra TV. Era “Caba não, mundão”, “Ô, lugarzin abafadin”, e várias outras. Tudo invenção dos dois.

Sala do Tião Carreiro

Eu criei esse quadro por conta do sucesso das duplas novas. Era Zezé, Chitão, Milionário e José Rico, tudo muito moderno pra época. Começou a surgir tanta gente nova que a viola começou a ficar pra trás. Criei a “Sala do Tião Carreiro”, onde eu juntava uma dupla antiga e uma dupla nova. Eu falava: ‘Agora quem canta são os professores. Depois quem canta são os alunos’. Tinha até quem não gostasse de ser chamado de aluno.

No vídeo, um dos encontros mais marcantes: Chrystian e Ralf com Tião Carreiro.

Tião Carreiro barrado

Ninguém entendia de sertanejo na Record. Tanto é que no meu primeiro dia, o Tião Carreiro foi barrado na entrada dos artistas, e então eu tive que ficar na porta esperando todo mundo chegar. Cheguei lá e o Tião já tava indo embora, xingando, reclamando com todo mundo. Deu um certo trabalho convencer o Tião a entrar. Eu cheguei a dizer que se ele fosse embora, eu seria demitido. Ele sabia que eu estava trabalhando lá, mas não tinha ideia de que eu era justamente o novo apresentador. Daquele jeitão dele, ele virou pra mim e disse: “Padô, quem vai apresentar essa bosta aí?”.

Record dos bispos

Quando a igreja comprou a emissora, meu programa disparou. A Record, que era tão forte, tinha virado algo pequeno nos anos 1980, pobre, não tinha nada daquela emissora importante dos festivais. Quando os bispos entraram, a Record voltou a ser forte nacionalmente, e aí eu vivi os 10 melhores anos do programa. Só que mais pra frente, houve alguns desentendimentos, e eu cheguei a ficar um ano fora do ar. Tinha dia que eu chegava pra gravar e a produção me dizia: ‘tem uma dupla aí pra cantar que o bispo sei lá de onde mandou’. Começaram a querer fazer média usando o meu programa, e ali eu sempre mandei sozinho, só cantava quem eu quisesse. Esse talvez tenha sido um dos principais motivos por eu ter saído anos mais tarde.

Homenagem recebida na Expofica, em Andradas, no mês passado.

Vida fora da TV

Eu nunca tive problemas em aceitar que o meu período de TV tinha acabado. Em nenhum momento eu embarquei na onda do meio artístico, sabia que tudo eram apenas interesses. Eu sempre fui muito tranquilo em relação a isso. Nos meus aniversários, o telefone não parava de tocar. Dois anos depois de sair da TV, pouca gente ligou pra dar os parabéns, como eu imaginava que seria. O meio de dinheiro e farra ilude muito, por isso é perigoso. Meu programa foi sucesso, eu fui sucesso, então as lembranças que eu tenho são as melhores. Eu conquistei o que eu sonhava, curti demais esse período todo. Quando eu saí da Record e fui pra CNT/Gazeta, já tinha a cabeça preparada pra sair da TV. Quando o jogador vai de um time grande pra um time pequeno, é difícil que ele volte pro grande. Foi isso que aconteceu. Foi natural.

Os desconhecidos Bruno e Marrone

Eu estava em Goiânia e fui num bailão em que tava rolando um tal de Bruno e Marrone. Isso era meia-noite. Quando deu duas da manhã, eles iam cantar em outro bailão. Foi impressionante. Saiu todo mundo de lá e foi até o outro bailão pra ver Bruno e Marrone de novo. Aí eu trouxe a dupla pro meu programa, tem muita gente que diz que conheceu os dois através do programa.

A nova geração

Eu acho ótimo, ótimo. Eles mantém a música sertaneja lá em cima. É preciso entender que tudo tem seu tempo. A diferença de hoje é que há muitas músicas de verão, que no ano que vem serão esquecidas. Daqui uns cinco anos é que a gente vai ser quem era bom e quem não era nada. Eu não conheço ninguém dessa nova turma, o único que passou pelo meu programa foi o Michel Teló, ainda com o Tradição. Ele era o Luan Santana do grupo, o menino que se destacava com a sanfona, mas ninguém imaginava que fosse acontecer tudo isso com ele anos depois. Que bom que aconteceu, porque ele alí é músico de verdade. Os gordinhos, o César Menotti e Fabiano, estiveram no programa uma vez como músicos da dupla Edu e Edinho. Lembro deles, mas não os conhecia, fiquei feliz quando vi os dois estourando anos depois.

Ao lado de Chitão & Xororó e Zezé di Camargo & Luciano

Programa sertanejo

Hoje os sertanejos vão em todos os programas de TV, antes não era todo mundo que conseguia. Então se você for ver, o sertanejo não tem necessidade de ter um programa só dele, mas seria bom. E se o cara não gosta dos novos, tem a Inezita pra assistir. Caberia sim um sertanejo na Globo. E se a Globo fizer, a Record também faz. Nos últimos anos, eu recebi algumas propostas pra voltar sim, mas de emissoras regionais, propostas pra programas regionais. Eu voltaria se fosse algo grande, mais por diversão do que por qualquer outra coisa. Estou bem aqui cuidando dos meus cachorros.