BASTIDORES: Entrevista com Marcos Mioto
André Piunti
Marcos Rogério Mioto, 39, natural de Fernandópolis-SP.
Atuante no mercado de shows há 20 anos, Mioto é um dos principais contratantes do Brasil, um dos nomes mais fortes do mercado sertanejo.
Com duas décadas de estrada, não só conquistou um relacionamento invejável com donos de festas no país todo, como também se tornou amigo pessoal de diversos artistas.
Enquanto os fãs de música sertaneja fazem, por lazer, previsões para os próximos meses, ele se prende aos números. Sabe, mais do que ninguém, quem de fato está fazendo sucesso, quem está subindo e quem deve perder espaço.
Ex-músico de banda de baile que percebeu que vender shows dava mais dinheiro que tocar neles, o empresário é dono da “Marcos Mioto Promoções Artísticas”, sediada em Votuporanga-SP.
Abaixo, a conversa que tive com ele.
Qual a função de um contratante?
O contratante faz o papel de ser o ponto de ligação entre o artista e o evento. Aquela pessoa que trabalha pela melhor data, melhor evento, melhor equipe. Basicamente um intermediário que tenta achar o melhor negócio tanto pra festa quanto pro artista.
Qual a principal dificuldade do seu trabalho? Você sabe que há profissionais do próprio mercado que tratam como algo “fácil”…
O meu trabalho mexe diretamente com credibilidade. Mexo com festas que tem 30, 40, 50 anos de tradição. Quem acha que é algo fácil, é só ir lá na organização das festas e conversar. Confiança não é mandar uma garrafa no fim do ano, é fazer 10 anos de festa sem erro, sem dar dor de cabeça, assumindo a responsabilidade ano após ano. As pessoas falam muito, mas sabem como funciona.
Minha empresa não deve um real a nenhum artista, é tudo feito corretamente pra que não tenha brecha pra ninguém falar nada. Eu invisto pra que festa e artistas tenham o melhor resultado. Tenho um gasto grande com produção, coloco no melhor hotel, pego a melhor van, coisas que parecem pequenas, mas te dão moral com o passar dos anos.
Você concorda com quem diz que os cachês sertanejos estão caros demais?
Valor de cachê é algo relativo, né? Tem show que o valor parece alto, mas sai barato, e show que parece barato, mas nem assim dá lucro. O importante nessa questão é o escritório ter consciência do valor do artista dele, de quanto o artista dele vai dar na bilheteria. Hoje já há uma consciência boa do valor de cada show, pois o mercado se fala, os donos de festas conversam, trocam informações. A bilheteria pauta as festas. Se o artista rende na bilheteria, não tem porque dizer que o show dele é caro. Os valores chamam a atenção sim, mas na maioria dos casos eles se justificam.
Você me contou que quando chega no fim do ano, você se reúne com os escritórios pra reservar as datas do ano seguinte. Em quais dados você se baseia pra comprar mais shows de um artista, menos de um outro, passar a comprar de um novato?
Eu me baseio muito em histórico, trabalho com histórico, busco informações do que vem acontecendo. Tenho que ficar de olho se não estão me contando mentira, tenho que apurar. Sempre tem alguém dizendo que determinado artista tá levando 15 mil pessoas em média, mas na verdade tá levando 5 mil. Essa é a preocupação que eu tenho na hora de definir em quem apostar pro ano seguinte. O fato de ter sido músico, de ter tocado, ajuda a ter uma noção do que pode e o que não pode ir pra frente. Tá certo que a questão musical parece não importar muitas vezes, mas é mais uma base pra gente pensar o artista.
E há espaço pra novas apostas?
Sempre, a minha vida toda. Isso conta muito a nosso favor. Comprei Bruno e Marrone em 1995 por R$5 mil, comprei muito Luan Santana quando era conhecido só regionalmente, e assim fiz com diversas duplas. É uma parte importante do trabalho também.
Os contratantes ouvem um comentário, um tanto hostil, de que são “amigos do sucesso”, só se interessam em um artista quando ele está bem. Como você encara?
É o seguinte… eu vejo o mercado como um negócio, esse é meu trabalho, eu vivo disso. Eu não determino quem vai numa festa ou não vai, quem determina é a festa, a organização, a prefeitura. Todo mundo faz conta, todo mundo se informa pra saber como anda o mercado. Eu não concordo com isso, mesmo porque a maioria dos artistas de sucesso hoje eu comprei várias vezes em início de carreira, quando eram pouco conhecidos, então não é certo que digam que sou amigo do sucesso. Como eu te disse, comprei meu primeiro show do Bruno e Marrone em 1995 por R$5 mil, longe de ser sucesso. Repeti isso com quase todos os artistas. Sei que falam isso, mas geralmente vem de gente que não consegue espaço ou que perdeu espaço e quer colocar a culpa em alguém.
Como chega até você a informação que um determinado artista está se destacando em determinada região?
Cara, é impressionante. A notícia chega, isso é coisa de Deus. As pessoas me informam, chegam pra me contar, acho que é resultado também de um trabalho sério. Eu não fico procurando, isso acaba aparecendo e eu vou atrás pra verificar se é real a informação ou não.
Há artistas que reclamam quando você passa a comprar menos shows dele, ou compra mais de outro do que dele. Tem toda uma questão de ego por trás, né?
Sobre essa disputa de ego, eu prefiro ser bem direto. Há dois tipos de artista: o que acha que está estourado e o que vende realmente ingresso. Quando o assunto é sério, não tem discussão, não adianta vaidade. O contratante vai fazer o cálculo, pegar os números, e ver quem anda dando resultado. Não adianta inventar história, a bilheteria mostra quem é sucesso. Esse negócio de ego, de sair falando que está indo bem, que está estourado, não serve pra nada.
Quando um artista começa a perder espaço, qual a melhor estratégia pra não sair do mercado de shows?
A primeira e melhor coisa é mexer no cachê, entender que isso vai ser bom pra ele. A média é de 100 mil? Baixa pra 90, pra 80. Corta os gastos, enxuga o máximo possível e vai pra estrada. Há duplas que fizeram isso e se deram bem. Se mantém fazendo show com um cachê menor, e daqui um tempo acerta uma música, um novo trabalho, e volta a subir. Tem que ser inteligente nesse momento.
Como você vê o mercado sertanejo para 2013 e 2014?
O ano de 2013 teve um início ruim pra todo mundo. Muita festa foi cancelada, as mudanças de prefeitura no ano passado também ajudaram a complicar a situação. Agora está dando uma estabilizada, mas a gente já pode ter certeza que festas feitas por aventureiros, como aconteceu bastante até o ano passado, vão acabar.
Vamos acompanhar uma queda, então?
Não, não vejo queda, vejo uma seleção. O ano de 2014 eu tenho em mente que vai ser um ano muito positivo, pois vai acontecer cada vez mais uma seleção. Hoje há muita gente disputando o mesmo espaço, e tá ficando muito cansativo, há muitos produtos iguais. Eu aposto em um 2014 positivo justamente por achar que essa seleção já está começando a acontecer, e vai obrigar que se crie coisas novas, que apareça produtos diferentes. É uma renovação obrigatória.
Em boa parte dos casos, sua relação com artistas e empresários deixa de ser só profissional pra virar de amizade. Quando o artista cai e você deixa de comprar shows, no entanto, várias vezes surge uma indisposição. Como você lida com essa situação?
Acontece… eu penso que quem é amigo de verdade, entende e não fica chateado. Quem deixa de falar comigo ou fica bravo, eu acabo descobrindo que tinha só interesse no meu trabalho, não era amigo de verdade. Eu não ligo, fazer o quê? O sucesso do artista não depende de mim. Eu preciso por no palco quem dá resultado pra festa, que dá resultado na bilheteria. Os amigos de verdade entendem.
Há praticamente dois anos, Jorge e Mateus são os artistas que mais levam público e mais rendem bilheteria aos contratantes. O que há de diferente no trabalho deles que torna os números tão difíceis de serem batidos?
Nem tudo a gente consegue explicar, mas dá pra pensar em algumas coisas. Há duas visões. Na visão do contratante, eles ajudaram demais a gente. Eles investiam com os contratantes, mandavam muito material de divulgação, mandavam vans de divulgação, ou seja, vendiam o show e colaboravam muito pra que aquele show desse resultado. Essa consciência de que todo mundo precisa ganhar os ajudou muito.
Há outra visão, que é a do público, que os vê como dois caras muito carismáticos, com ótimo repertório, de show muito agradável. Tem coisas que não se explica, mas o que a gente consegue falar deles é que eles foram muito bem trabalhados tanto na questão comercial quanto na artística. No final do ano passado, vieram me falar que em 2013 eles iam dar uma caída, pois estavam um pouco saturados. Virou o ano e eles estão mais fortes que no ano passado.
A concorrência no mercado gerou algumas práticas muito criticadas. Uma das mais polêmicas é a de derrubar shows de um escritório concorrente pra por um artista do seu escritório. Como você fica nessa história, já que muitos dos shows são seus?
Eu não entro nessa discussão, não acho isso saudável. Estamos em um mercado com muito dinheiro e que tem uma forte concorrência, então essas coisas acontecem. Eu estou próximo porque tenho que seguir o que o cliente pede, e essas situações acabam surgindo, mas estou vendo essa poeira baixar já. Eu tenho visto que os escritórios estão começando a mudar a cabeça, a perceber que esse tipo de coisa não faz bem ao mercado. Do meu lado, eu digo que não acho algo positivo.
Você já recebeu propostas pra virar sócio de artista?
Já tive sim e não aceitei. Fiquei lisonjeado, mas muito provavelmente eu iria criar atrito com outros artistas. Não é nem questão de ciúme, mas poderia prejudicar o relacionamento comercial. Algum escritório poderia não querer mais negociar comigo, ou outro contratante não querer comprar shows do “meu” artista. Acabei achando melhor não aceitar.
No ano passado, você lançou a carreira de seu filho, Gustavo Mioto. Você foi surpreendido em algum momento, aconteceu algo que você não esperava?
Não tive nenhuma surpresa, tá dentro do que eu esperava. Na verdade eu sou pé no chão, é que tinha muita gente que achava que eu iria misturar as coisas, pedir parceria pra artista e etc. Eu tenho bom relacionamento nas rádios e abertura no mercado de shows, algo que é possível qualquer outro empresário conseguir com o tempo. Minha dificuldade é a mesma de todo mundo, a de fazer com que o público goste do seu produto, entenda o trabalho, goste do artista.
Ao lado do cantor Daniel e do filho Gustavo Mioto
Tem sido comum ouvir críticas de artistas de outros gêneros dizendo que o sertanejo monopolizou o mercado de música no Brasil, fechou as portas pra outros estilos. Você concorda?
Não, não concordo. Não vejo a situação tão ruim da forma que falam. Os outros estilos continuam com o espaço deles, com os fãs, com as rádios. O que mudou é que o sertanejo cresceu e se tornou de fato a principal música do país. Se você pegar a agenda do Jota Quest ou do Capital Inicial, vai ver que os caras seguem fazendo os shows deles. O problema é o comparativo com o mercado sertanejo, que tem festas com até três shows por noite, o que faz com que as agendas dos artistas fiquem com um número muito alto de shows. Concorrer com o sertanejo hoje é inviável. Eu acho importante reparar também é que no mercado sertanejo há muito investimento. Os empresários vão pra cima, gastam dinheiro pra que o artista ganhe destaque, e isso acontece pouco em outros estilos.
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A série “Bastidores”, publicada toda segunda-feira, já teve outros quatro entrevistados:
-Dudu Borges, produtor musical
-Arleyde Caldi, assessora de imprensa de Zezé di Camargo e Luciano há 21 anos e de Luan Santana
-Marcelo Siqueira, diretor artístico da Nativa FM
-Charles Bonissoni, sócio-fundador da Wood’s
-Sorocaba, empresário, compositor, e integrante da dupla Fernando e Sorocaba
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