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O que diria Cornélio Pires sobre a atual música sertaneja?
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André Piunti

Aos não familiarizados com o nome, Cornélio Pires talvez tenha sido a pessoa mais importante de toda a história na música sertaneja.

Explicando de forma resumida, Pires, jornalista-escritor-folclorista-empresário e admirador da música caipira, acreditou que aquelas modas tocadas nos interiores de São Paulo poderiam ser levadas para outras regiões, onde as pessoas também se identificariam com o teor das canções.

Após mais de 20 anos promovendo a música caipira de diversas formas, seja em apresentações que organizava ou em seus causos publicados baseados na convivência com artistas do gênero, Pires lançou, em 1929, uma série de discos com modas de anedotas, os primeiros discos da música sertaneja.

Como a gravadora Columbia não acreditou no sucesso do projeto, não aceitou investir. Resultado: Pires bancou 30 mil cópias do próprio bolso e saiu de carro pelo interior de São Paulo vendendo pessoalmente. Vendeu todas as cópias, mesmo o toca-discos sendo artigo pouco popular na época.

Com a repercussão de seu projeto bem sucedido, as gravadoras passaram a se interessar, e naturalmente o gênero cresceu, fazendo surgir compositores que escreviam sobre o campo mesmo não tendo tanta vivência assim. Ou seja, a música caipira passava a ter, ainda que de forma tímida, contornos comerciais. É nessa época, inclusive, que começa a se utilizar a terminologia “sertanejo” no lugar de “caipira”.

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Ontem, em uma conversa pelo Twitter, o cantor e compositor Marco Aurélio, da dupla Marco Aurélio e Paulo Sérgio, propôs que eu escrevesse sobre o que Cornélio Pires acharia da atual situação da música sertaneja, caso estivesse vivo.

Fazendo um trabalho de suposição pelo que já li sobre ele (li relativamente bastante, por conta dos dois livros que escrevi), estou inclinado a achar que ele estaria satisfeito com o rumo que as coisas tomaram, mesmo sabendo que diversos contemporâneos dele, se estivessem vivos, estariam reclamando.

É claro que não estou falando que ele gostaria dos funknejos e de coisas extremas, mas sim de todo o caminho que a música caipira traçou até resultar no gênero musical mais popular do país.

Após a década de 1960, com o surgimento de Léo Canhoto e Robertinho e de diversas outras duplas com influências estrangeiras, a música caipira nunca mais retomou a força que teve em 1950/60. Os programas de TV e Rádio se mantiveram no ar, mas havia novidades mais interessantes dentro da própria música.

Os anos 1990 mudaram o rumo do sertanejo, mas apesar de todo o sucesso, não conseguiram fazer um resgate a altura da música caipira, pois o controle de tudo ainda estava na mão da mídia.

A partir dos anos 2000 foi que as coisas melhoraram, com a entrada da internet. A democratização da informação fez com que toda nossa cultura musical fosse resgatada, com qualquer pessoa podendo baixar, por exemplo, toda a discografia do Tião Carreiro em pouco mais de uma hora.

Lamentável seria se os cantores de hoje renegassem a origem da música sertaneja, e tentassem interromper uma história, que por mais discutida que seja, continua sendo uma só, com mais de 80 anos.

A ideia que Cornélio teve em 1929, de tornar as canções caipiras mais conhecidas, segue se concretizando até hoje. Se sua vontade era de que todos pudessem conhecer aquela cultura, hoje o mundo tem acesso a raridades como, incusive, os primeiros discos lançados por ele.

Pires morreu em 1958, então teve tempo de assistir a uma forte influência externa: a da música paraguaia na década de 1950. Assistiu de perto Cascatinha e Inhana serem elogiados pela enojada elite cultural, já que era impossível ignorar a repercussão de “Índia” e “Meu Primeiro Amor”. Não há registros, pelo menos públicos, de críticas de Pires a essas mudanças.

Não sei se ele imaginou que a música que ele tirou do campo e mostrou para a cidade se tornaria, um dia, a música mais ouvida do país, mas acredito que se ele pudesse ver tudo o que a iniciativa dele causou, estaria orgulhoso do resultado.


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